Ler significa reler, compreender e interpretar. Cada um lê com os olhos que tem. E interpreta a partir de onde os pés pisam. Todo ponto de vista é a vista de um ponto. Para entender como alguém lê, é necessário saber como são seus olhos e qual é a sua visão de mundo. Isso faz da leitura sempre uma releitura. Isso faz da compreensão sempre uma interpretação. Sendo assim, fica evidente que cada leitor é coautor.
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domingo, 16 de junho de 2013

Atividade para o 9º ano
A crônica que você vai ler, de Fernando Sabino, foi retirada de uma coletânea do autor. Como você já viu, crônicas são textos curtos que tratam de fatos cotidianos, escritos em linguagem leve e descontraída.

O homem nu
         Ao acordar, disse para a mulher:
        — Escuta, minha fi lha: hoje é dia de pagar a prestação da televisão, vem aí o sujeito com a conta, na certa. Mas acontece que ontem eu não trouxe dinheiro da cidade, estou a nenhum.
         — Explique isso ao homem — ponderou a mulher.
     — Não gosto dessas coisas. Dá um ar de vigarice, gosto de cumprir rigorosamente as minhas obrigações. Escuta: quando ele vier a gente fica quieto aqui dentro, não faz barulho, para ele pensar que não tem ninguém. Deixa ele bater até cansar — amanhã eu pago.
        Pouco depois, tendo despido o pijama, dirigiu-se ao banheiro para tomar um banho, mas a mulher já se trancara lá dentro. Enquanto esperava, resolveu fazer um café. Pôs a água a ferver e abriu a porta de serviço para apanhar o pão. Como estivesse completamente nu, olhou com cautela para um lado e para outro antes de arriscar-se a dar dois passos até o embrulhinho deixado pelo padeiro sobre o mármore do parapeito. Ainda era muito cedo, não poderia aparecer ninguém. Mal seus dedos, porém, tocavam o pão, a porta atrás de si fechou-se com estrondo, impulsionada pelo vento.
      Aterrorizado, precipitou-se até a campainha e, depois de tocá-la, ficou à espera, olhando ansiosamente ao redor. Ouviu lá dentro o ruído da água do chuveiro interromper-se de súbito, mas ninguém veio abrir. Na certa a mulher pensava que já era o sujeito da televisão. Bateu com o nó dos dedos:
        — Maria! Abre aí, Maria. Sou eu — chamou, em voz baixa.
        Quanto mais batia, mais silêncio fazia lá dentro.
      Enquanto isso, ouvia lá embaixo a porta do elevador fechar-se, viu o ponteiro subir lentamente os andares... Desta vez, era o homem da televisão!
       Não era. Refugiado no lanço da escada entre os andares, esperou que o elevador passasse, e voltou para a porta de seu apartamento, sempre a segurar nas mãos nervosas o embrulho de pão:
        — Maria, por favor! Sou eu!
          Desta vez não teve tempo de insistir: ouviu passos na escada, lentos, regulares, vindos lá de baixo... Tomado de pânico, olhou ao redor, fazendo uma pirueta, e assim despido, embrulho na mão, parecia executar um ballet grotesco e mal ensaiado. Os passos na escada se aproximavam, e ele sem onde se esconder. Correu para o elevador, apertou o botão. Foi o tempo de abrir a porta e entrar, e a empregada passava, vagarosa, encetando a subida de mais um lanço de escada. Ele respirou aliviado, enxugando o suor da testa com o embrulho do pão.
          Mas eis que a porta interna do elevador se fecha e ele começa a descer.
          — Ah, isso é que não! — fez o homem nu, sobressaltado.
          E agora? Alguém lá embaixo abriria a porta do elevador e daria com ele ali, em pelo, podia mesmo ser algum vizinho conhecido... Percebeu, desorientado, que estava sendo levado cada vez para mais longe de seu apartamento, começava a viver um verdadeiro pesadelo de Kafka, instaurava-se naquele momento o mais autêntico e desvairado Regime do Terror!
           — Isso é que não — repetiu, furioso.
          Agarrou-se à porta do elevador e abriu-a com força entre os andares, obrigando-o a parar. Respirou fundo, fechando os olhos, para ter a momentânea ilusão de que sonhava. Depois experimentou apertar o botão do seu andar. Lá embaixo continuavam a chamar o elevador. Antes de mais nada: “Emergência: parar”. Muito bem. E agora? Iria subir ou descer? Com cautela desligou a parada de emergência, largou a porta, enquanto insistia em fazer o elevador subir. O elevador subiu.
       — Maria! Abre esta porta! — gritava, desta vez esmurrando a porta, já sem nenhuma cautela. Ouviu que outra porta se abria atrás de si.
         Voltou-se, acuado, apoiando o traseiro no batente e tentando inutilmente cobrir-se com o embrulho de pão. Era a velha do apartamento vizinho:
          — Bom dia, minha senhora — disse ele, confuso. — Imagine que eu...
         A velha, estarrecida, atirou os braços para cima, soltou um grito:
        — Valha-me Deus! O padeiro está nu!
        E correu ao telefone para chamar a radiopatrulha:
          — Tem um homem pelado aqui na porta!
         Outros vizinhos, ouvindo a gritaria, vieram ver o que se passava:
         — É um tarado!
         — Olha, que horror!
         — Não olha não! Já pra dentro, minha filha!
       Maria, a esposa do infeliz, abriu finalmente a porta para ver o que era. Ele entrou como um foguete e vestiu-se precipitadamente, sem nem se lembrar do banho. Poucos minutos depois, restabelecida a calma lá fora, bateram na porta.
      — Deve ser a polícia — disse ele, ainda ofegante, indo abrir.
       Não era: era o cobrador da televisão.
SABINO, Fernando. O homem nu. Rio de Janeiro: Ed. do Autor, 1960. p. 65.

1 O título da crônica é O homem nu. Que outro título você poderia atribuir ao assunto do texto?

2 O texto foi escrito no início da década de 1960. Que fatos ou situações nos permite concluir que a história não se passa nos dias de hoje?

3 Por que o homem ficou nu?

4 Por que a mulher não abriu a porta do apartamento quando a campainha tocou?

5 No quarto parágrafo do texto, o homem afirma:
— Não gosto dessas coisas. Dá um ar de vigarice, gosto de cumprir rigorosamente as minhas obrigações. Escuta: quando ele vier a gente fica quieto aqui dentro, não faz barulho, para ele pensar que não tem ninguém. Deixa ele bater até cansar — amanhã eu pago.  A atitude dele está de acordo com sua afirmação? Por quê?

6 Por que a vizinha gritou que o padeiro estava nu?

7 No final da história, o homem teve de encarar o cobrador da televisão. Escreva uma possível desculpa que ele poderia dar para não pagar a prestação.

1 Numere as ações, mostrando a sequência dos acontecimentos.
(     ) A porta do apartamento se fecha, deixando o homem para fora.
(     )O marido pega o embrulho do pão.
(     )O marido põe a água para esquentar.
(     ) O marido entra no elevador e aperta o botão de emergência.
(     )A mulher vai para o banho.
(     )A mulher abre a porta.
(     )homem e a mulher decidem fi ngir que não estão em casa.
(     ) A mulher desliga o chuveiro.
(     )O elevador começa a subir.
(     ) O marido tira a roupa para tomar banho.
(     )O marido toca a campainha do apartamento.
(     ) O cobrador da televisão bate à porta.
(     ) O marido grita e esmurra a porta, alertando os vizinhos.

2 Em vários momentos, o autor criou suspense no texto. Localize dois trechos em que isso ocorre e cite os números dos parágrafos correspondentes.

A forma como o autor de um texto organiza a sequência de acontecimentos, de ações que constituem a narrativa chama-se enredo.
Essas ações podem ser narradas em ordem linear, de acordo com a sequência cronológica dos fatos, ou em ordem não-linear, caso os fatos sejam revelados ao leitor em outra sequência. Observe estes exemplos:
Pedro tomou banho e foi jantar. (ordem linear)
Pedro já tinha tomado banho quando foi jantar. (ordem não-linear)

3 Identifique no texto um trecho com fatos contados em ordem não-linear.

4 O trecho abaixo foi escrito em ordem linear ou não-linear? Explique.
Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos.

GARCÍA MÁRQUEZ, Gabriel. Cem anos de solidão. Rio de Janeiro: Record, 1967. p. 7.

5 Responda a estas perguntas sobre o texto O homem nu.
a) Qual era o desejo do homem nu ao se ver trancado fora de casa?

b) O que o impedia de realizar esse desejo?

6 Assinale a alternativa que expressa o principal conflito do protagonista, isto é, do personagem mais importante de O homem nu.
 (a) O marido quer tomar banho, mas a mulher já se trancou no banheiro.
 (b)O cobrador virá receber a prestação, mas o devedor está sem dinheiro.
 (c)O homem nu está do lado de fora do apartamento e não consegue entrar em casa.
 (d)O elevador começa a subir e o homem nu pensa que é o cobrador.

7 Qual é o momento de mais tensão, de mais nervosismo no texto?

8 De acordo com o texto e com o esquema abaixo, escreva com suas palavras os elementos do enredo de O homem nu. Observe o modelo com atenção.
CONFLITO INICIAL
TENTATIVA DE SOLUÇÃO DO CONFLITO INICIAL
CONFLITO 2
 CLÍMAX
SITUAÇÃO FINAL
a) Conflito inicial
O homem não tem dinheiro para pagar a prestação da tevê e não quer atender o cobrador
b) Tentativa de solução do conflito inicial

c) Conflito 2

d) Clímax

e) Situação final

9 Leia esta sinopse (resumo) de um filme e responda às perguntas.
Apollo 13 (EUA, 1995). Direção: Ron Howard. Com: Tom Hanks, Bill Paxton, Kevin Bacon, Ed Harris, Gary Sinise, Kathleen Quinlan. Três astronautas estão a caminho da Lua, mas uma explosão em um dos compartimentos da nave impede o sucesso da missão. Vagando no espaço, agora a preocupação é conseguir voltar à Terra com vida. 120 min.
GUIA de vídeo e DVD 2001. São Paulo: Nova —Cultural, 2001. (Texto adaptado)
a) Quais os três elementos principais do enredo do filme?

b) Qual desses elementos se configura como conflito? Por quê?

c) Qual seria uma possível cena de clímax para a história? Use a sua imaginação e escreva.

Atividades de linguagem

1 Retire do texto O homem nu três palavras ou expressões que marcam o tempo na narrativa.
2 Releia esta frase do texto e faça o que se pede.
Como estivesse completamente nu, olhou com cautela para um lado e
para outro (...)
a) Assinale a alternativa que explica o sentido do trecho sublinhado. 
(a)Expressa uma consequência.
(b)Indica uma causa.
(c)Estabelece uma comparação.

Reescreva essa mesma frase, substituindo a palavra como por outra palavra ou expressão de sentido equivalente. Faça as alterações necessárias.

3 Releia os trechos a seguir e faça o que se pede.
Maria, a esposa do infeliz, abriu finalmente a porta para ver o que era.
Ele entrou como um foguete e vestiu-se precipitadamente, sem nem se lembrar do banho.
Tomado de pânico, olhou ao redor, fazendo uma pirueta, e assim despido, embrulho na mão, parecia executar um ballet grotesco e mal ensaiado.

a) Os dois trechos acima apresentam movimento. Que palavras ou expressões indicam isso?
b) Selecione do texto mais duas situações que apresentem movimento.

Produção de texto l
Leia a seguir um conto tradicional do Japão, datado do século VIII, de autoria desconhecida. Como outros contos do estilo, ele apresenta uma história aparentemente inocente, mas com um ensinamento de vida.
Espelho no cofre
       De volta de uma longa peregrinação, um homem carregava sua compra mais preciosa adquirida na cidade grande: um espelho, objeto até então desconhecido para ele. Julgando reconhecer ali o rosto do pai, encantado, ele levou o espelho para sua casa.
        Guardou-o num cofre no primeiro andar, sem dizer nada a sua mulher. E assim, de vez em quando, quando se sentia triste e solitário, abria o cofre para ficar contemplando “o rosto do pai”.
Sua mulher observou que ele tinha um aspecto diferente, um ar engraçado, toda vez que o via descer do quarto de cima. Começou a espreitá-lo e descobriu que o marido abria o cofre e fi cava longo tempo olhando para dentro dele.
          Depois que o marido saiu, um dia ela abriu o cofre, e nele, espantada, viu o rosto de uma mulher. Inflamada de ciúme, investiu contra o marido e deu-se então uma grave briga de família.
           O marido sustentava até o fi m que era o seu pai quem estava escondido no cofre.
          Por sorte, passava pela casa deles uma monja. Querendo esclarecer de vez a discussão, ela pediu que lhe mostrassem o cofre.
           Depois de alguns minutos no primeiro andar, a monja comentou ainda lá de cima:
         — Ora, vocês estão brigando em vão: no cofre não há homem nem mulher, mas tão-somente uma monja como eu!
ESPELHO no cofre. In: Os cem melhores contos de humor da literatura universal.Seleção e tradução de Flávio Moreira da Costa. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 29-30.
Glossário
Peregrinação. Jorna da a lugares santos ou de devoção.
Contemplar. Observar com atenção, encantamento e admiração.
Espreitar. Observar às escondidas; espiar, espionar, vigiar.
Monja. Religiosa que vive em convento ou mosteiro.

O texto O espelho no cofre é um conto. Nele, a ação pode situar-se em qualquer época, mesmo no futuro. No entanto, o espaço onde se passa a história costuma ser limitado. Pode existir mais de um cenário, mas a ação principal geralmente transcorre num lugar só.
No conto, é o conflito que organiza a ação. É em torno dele, geralmente estabelecido nos primeiros parágrafos, que a ação será desenvolvida e concluída.

1 Identifique no conto alguns elementos do enredo. Para cada um, escreva uma frase com suas palavras.
a) O conflito
b) O clímax
c) A situação final

2 Onde está o humor do conto?
3 Em que espaço a história acontece? Como você poderia caracterizá-lo?


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